Crônicas Ilustradas 5
Crônicas Ilustradas 5
As aulas com Orlando mereciam um blog à parte, mas como minha memória já anda falhando, vou me concentrar nas mais marcantes. Como já contei, Chico foi embora e seus alunos foram redistribuídos, e eu acabei sendo destinado ao professor Orlando Fraga.
Menos mal (eu pensei), o outro professor – Norton Dudeque (hoje, meu supervisor no pósdoutorado) - tinha fama de ser muito mais malvado... Lá fui eu para a primeira, e inesquecível, aula.
A sala de Orlando era a mesma de Chico, (aquela com sacada onde meu violão branco quase foi defenestrado) subindo uma escadinha de madeira, no primeiro andar do prédio velho da Belas Artes.
A cada passo, a cada degrau, minha perna ficava mais pesada... A porta estava aberta e quando eu entrei, ele estava sentado, fumando (porque naquela época os professores fumavam dentro da sala) e foi o único momento em que ele olhou para mim durante toda a aula: Ah, você é o Deslandes...
Um pequeno parênteses: no fim do ano anterior, no concerto de encerramento (e despedida de Chico) eu toquei duas músicas sentado como se estivesse num bar, e não na posição “correta” dos violonistas, e lembro de um burburinho na plateia, entre os professores. Para “piorar”, toquei Abismo de Rosas de Dilermando Reis e uma outra música minha, que eu nem lembro mais como era. Fim do parênteses.
Orlando me mandou sentar – na posição correta – e começou a pedir para eu tocar “escalas do grupo 1”, “exercícios de mão direita de Abel Carlevaro”, “estudos do livro de Henrique Pinto e mais Sor, Carcassi, etc”, e eu não sabia nada. Dez minutos depois, ele – ainda sem olhar para mim – disparou: Só volte aqui quando souber isto que eu acabei de pedir. Se não aprender, nem volte.
Pus minha vila no saco e fui procurar uma escola particular. Cheguei em casa com alguns valores de mensalidades e meu pai e minha mãe me deram aquele famoso “choque de realidade”: Não tem dinheiro. Ou fica na escola pública ou vai parar de estudar.
E lembro que nem fiquei brabo ou coisa assim. Já tinha idade suficiente para saber que eles tinham razão. Subi para meu quarto e fui estudar.
Dois meses depois voltei na Belas, no meu horário de aula – que já estava sendo usado por outro aluno – e Orlando riu quando me viu. Perguntou se eu tinha estudado, e me mandou tocar.
Devo ter tocado bem porque ele terminou a aula do outro aluno (e eu fiquei assistindo), e naquele dia se tornou o que ainda é hoje: meu amigo e principal professor de violão.
Se com Chico eu aprendi como é legal, genial e prazeroso fazer música, com Orlando eu aprendi que sem disciplina e prática, você chega num ponto e fica estagnado. Conhecer e tocar um repertório difícil e desconhecido, amplia a sua criatividade, e não a limita, como era falado pelos que desistiam no meio do caminho.
Aprendi também - pelo exemplo - que estudar um instrumento não é sóestudar o instrumento. Harmonia, contraponto, estética, história da música... tudo ajuda na hora de executar uma música.
Sempre serei grato.
Comentários
Postar um comentário